COHN, Leila. CORDEIRO, Izilda Cristina
Martins. KIKUTI, Karina  Tiemi. MOURA,
Ronaldo Destri de. PUPO,  Julia Landgraf

RESUMO

     Este artigo versa sobre o Projeto Atendimento de Crise implementado por uma equipe dos grupos profissionais do Centro de Psicologia Formativa® do Brasil durante a pandemia COVID-19, no ano de 2020. Os atendimentos foram feitos no modo on-line, na abordagem da Psicologia Formativa®, fundada por Stanley Keleman. O Projeto teve como objetivo oferecer às pessoas meios de regular suas respostas emocionais às mudanças abruptas impostas pela pandemia, ao mesmo tempo em que aprendiam a formar soluções adaptativas para a crise.

KEYWORDS

Psicologia Formativa® – pandemia COVID-19 – crise – regulação emocional – Stanley Keleman – anatomia emocional – autoinfluência voluntária

INTRODUÇÃO

       Em contextos de graves crises sociais, torna-se ainda mais evidente a preocupação com a saúde mental da população. A pandemia COVID-19 foi uma dessas crises. Ela foi tão exponencial que alcançou proporções globais, caracterizando-se como a maior emergência de saúde pública enfrentada pela comunidade internacional nas últimas décadas (WORLD HEALTH ORGANIZATION [WHO], 2020).
     Uma crise dessa magnitude gera mudanças significativas em diferentes esferas do viver para a população como um todo. Essas mudanças desafiam a estabilidade emocional da população e a capacidade de enfrentamento a situações novas. Nesse contexto, são necessários esforços emergenciais de profissionais de diversas áreas do conhecimento para lidar com a crise (BRASIL, 2020a).
     Em abril de 2020, membros dos grupos profissionais do Centro de Psicologia Formativa® do Brasil se reuniram para discutir a adaptação ao trabalho remoto: desafios, ferramentas e possibilidades. Nesses encontros, surgiu o anseio de dar uma contribuição à sociedade através de um serviço de atendimento de crise gratuito.
     Organizou-se o projeto Atendimento de Crise on-line, que teve como objetivo oferecer suporte no contexto da pandemia COVID-19 e seus desdobramentos. O Projeto visava ajudar as pessoas a desenvolver estratégias adaptativas e meios de influenciar suas respostas emocionais às mudanças abruptas impostas pela pandemia. Todo o trabalho foi realizado dentro do corpo teórico-metodológico da Psicologia Formativa® de Stanley Keleman, que será brevemente apresentada neste artigo.
     Este trabalho relata o processo de criação e realização do Projeto, contendo informações sobre os problemas apresentados, as estratégias de atendimento, as orientações oferecidas, o feedback da população atendida, a análise dos resultados, as considerações finais e os desdobramentos do Projeto.

A PSICOLOGIA FORMATIVA® E SUA METODOLOGIA

     A Psicologia Formativa®, desenvolvida por Stanley Keleman, na década de 1970, é uma abordagem evolucionista que vincula, de modo indissociável, a realidade anatômica e a realidade existencial humana. Para Keleman, o ser humano é um processo subjetivo corporificado, em constante reorganização de si mesmo, ao longo de todas as fases do viver. A experiência subjetiva está fundada na organização anatômica, e as alterações na postura anatômica influenciam a realidade emocional e cognitiva (COHN, 2007).
     A Psicologia Formativa® parte da premissa de que uma pessoa sempre pode influenciar de algum modo a sua forma de estar no mundo. O Trabalho Formativo é um processo educativo que visa aumentar a participação voluntária no processo de auto-organização e desenvolvimento pessoal. Baseado nas propriedades de plasticidade somática e neural e na capacidade de autorregulação muscular-cortical voluntária, Stanley Keleman desenvolveu a Metodologia Formativa, coerente com o seu modo de pensar (KELEMAN, 1987, 2007b). A Metodologia Formativa inclui o protocolo da Prática Formativa, a criação de novas narrativas e a elaboração de somagramas.
     A Prática Formativa é um processo experiencial educativo cuja ação muscular voluntária afeta a experiência pessoal, cria novas possibilidades de comportamento e experiência e novos mapas cerebrais. O protocolo da Prática usa o esforço muscular-cortical voluntário (EMCV) para diferenciar graus de intensidade e duração nas posturas muscular-emocionais (COHN, 2016).
     O protocolo da Prática contém uma sequência de passos que se iniciam com a organização de um modelo muscular da atitude emocional, estabelecendo, de imediato, uma relação entre postura muscular e experiência subjetiva. Os passos seguintes envolvem a criação de gradações distintas na intensidade da postura muscular, em um ir e vir em pequenas incursões voluntárias que ampliam a percepção da pessoa acerca de suas ações e suas respectivas consequências. A repetição da Prática possibilita o aprendizado da modulação voluntária de atitudes emocionais e comportamentais, bem como a estabilização de novas conexões cerebrais.
     A partir da reorganização do comportamento e da experiência, faz-se necessária também a elaboração de uma narrativa atualizada que corresponda, de fato, à nova experiência e comportamento. Assim sendo, a Metodologia Formativa trabalha com a reorganização voluntária de posturas emocionais e a criação de novas narrativas que acompanham o processo de mudança como um todo.
     Somagramas são imagens somáticas que retratam a experiência vivida corporalmente. Keleman (1987) cunhou o termo somagrama para descrever um desenho pessoal de si mesmo que permite ao sujeito entrar em contato com a sua experiência, aprender sobre seu processo e mapear sua história através de imagens somáticas ao longo do tempo.
     A Psicologia Formativa entende que o modo como a pessoa se organiza muscular e emocionalmente afeta o seu modo de pensar e sentir. O Trabalho Formativo inclui a Metodologia Formativa acima descrita e a Conversa Formativa sobre padrões pessoais de funcionamento. A Conversa Formativa aborda como a pessoa funciona, como se organiza no mundo, e a possibilidade de reorganização voluntária de seu modo de funcionar através de mudanças no macro comportamento, seja pela implementação de novas rotinas, seja pela reestruturação de hábitos cotidianos.

O PROJETO ATENDIMENTO DE CRISE
A crise na pandemia e o processo de transição

A pandemia COVID-19 configurou um momento de instabilidade, gerou uma série de indagações acerca do presente e do futuro e demandou uma ampla reorganização no viver. A necessidade do distanciamento reduziu o contato social e a convivência no ambiente doméstico se tornou intensa. O trabalho e os estudos passaram a ser remotos e fez-se necessária uma adequação à vida on-line.
     As mudanças configuraram um processo de transição com vivências de indefinição, instabilidade e incerteza e, por vezes, experiências de desorientação e de “não saber o que fazer’’. Para algumas pessoas, situações como estas podem gerar respostas emocionais intensas, que incluem susto, sobressalto, medo, ansiedade, desânimo e desesperança, em maior ou menor grau.
     Stanley Keleman (1979) descreveu a transição como um processo que envolve simultaneamente a finalização de uma maneira habitual de agir, uma experiência de indefinição e um período de formação e consolidação de novos comportamentos. Esse processo é dinâmico e envolve uma relação contínua entre estabilidade e instabilidade, organização e desorganização de modos de funcionar. O processo formativo é uma jornada de aprendizagem em pequenos passos com uma participação pessoal crescente. A experiência da capacidade de autoinfluência voluntária desorganiza a impotência e gera autoconfiança e empoderamento (KELEMAN, 2007b)
     Os atendimentos deste Projeto basearam-se nesta compreensão do processo de transição e tiveram como foco a reorganização voluntária de macro e micro comportamentos[1], incluindo o protocolo da Prática Formativa com o intuito de estabelecer respostas mais adaptativas à nova situação.

[1] Microcomportamento refere-se ao Protocolo da Prática Formativa com micromovimentos musculares.

HISTÓRICO

     O projeto Atendimento de Crise aconteceu de maio a dezembro de 2020. Os três primeiros meses foram dedicados à elaboração e à estruturação do Projeto, à formação da equipe de trabalho, ao desenvolvimento dos materiais de apoio, ao treinamento em atendimento focal e ao uso da plataforma Wix. Os atendimentos foram realizados de agosto a dezembro, quando se deu a finalização dos trabalhos.

ESTRUTURA

     A equipe do Projeto foi composta por uma supervisora, uma equipe de coordenação, uma equipe de atendimento e uma parceria com outro projeto semelhante, totalizando dezessete profissionais da área da saúde e educação.
     Para participar do Projeto, era necessário ter experiência clínica de no mínimo três anos, e pelo menos dois anos de experiência em atendimento de crise. Todos os integrantes do grupo faziam parte dos Cursos Profissionais do Centro de Psicologia Formativa® do Brasil.
     A organização do trabalho envolveu reuniões regulares da coordenação, reuniões e supervisões quinzenais com toda a equipe e plantão de apoio quinzenal da coordenação. Para facilitar a comunicação interna, criou-se um grupo de WhatsApp e um e-mail do Projeto.
     O Projeto ofereceu dois tipos de atendimento on-line: individual e em grupo. A divulgação ocorreu via redes sociais dos colaboradores, por meio de folders digitais.

     Foram produzidos os seguintes materiais:

  • O projeto e suas regras de funcionamento
  • Manual de Atendimento de Crise
  • Descrição dos grupos de atendimento
  • Termo de compromisso do atendido
  • Relatório de atendimento
  • Relatório final do profissional
  • Folder de divulgação

     Os interessados no Atendimento de Crise deveriam acessar um link da plataforma eletrônica para agendar uma entrevista. A plataforma continha um texto explicativo do Projeto, os horários disponíveis para atendimento, um formulário com dados gerais e um termo de compromisso.

SERVIÇOS OFERECIDOS

     Atendimento de Crise Individual

     O Atendimento Individual seguiu um protocolo criado especificamente para o momento da pandemia. O trabalho realizado procurou auxiliar as pessoas a aprender o exercício da autoinfluência voluntária e incluiu orientações pragmáticas para possibilitar o bem-estar cotidiano.
     O atendimento compreendia de 1 a 3 encontros via chamada de vídeo ou telefone com duração de 30 minutos cada. A escuta do terapeuta incluía a observação do tom de voz, o ritmo e o grau de excitabilidade presente na fala, o problema apresentado e o estado emocional do sujeito. As orientações visavam diminuir a intensidade do estresse, regular o esforço, manejar a experiência emocional e estruturar uma rotina funcional para auxiliar a pessoa a sair do pico de crise.
     As seguintes questões nortearam o trabalho dos terapeutas:

  • Como a pessoa está respondendo à pandemia (atitude emocional, comportamento e padrão de pensamento)?
  • O que a pessoa precisa reorganizar no seu modo de funcionar para lidar com a crise atual?
  • Como a pessoa pode formar uma rotina funcional e adaptativa à nova situação?

      No primeiro encontro, o terapeuta buscava compreender o estado geral do indivíduo e como a pandemia impactou sua vida, investigando o seu estado emocional e a relação deste com a crise atual. Este atendimento incluía uma pesquisa detalhada sobre a rotina da pessoa: padrões de sono, apetite, higiene, lazer, afazeres, socialização, estrutura de suporte e saúde geral. Indagava-se, também, mais especificamente, sobre as mudanças ocorridas relativas à família, ao trabalho, à alimentação, à situação financeira, ao cuidado da casa, à vida sexual, a animais domésticos e à relação com vizinhos. Verificava-se a ocorrência de violência doméstica e o consumo de drogas e álcool.
     Neste encontro, o terapeuta fazia sugestões concretas para estruturar a rotina, regular o esforço e modular o estresse. As orientações incluíam: regulação da alimentação, sono e trabalho; organização de momentos de convívio em família; realização de atividade física; inclusão de momentos de lazer; regulação do contato interpessoal no cotidiano doméstico; estabelecimento de tempos de pausa nas rotinas diárias; diminuição das exigências no dia a dia e implementação de rotinas de suporte; e diminuição da exposição às notícias sobre a pandemia.
     Ao final do atendimento, checava-se a possibilidade de aplicação das orientações oferecidas: “Você acha que é possível usar essas orientações no seu dia a dia?”; “Dentre as orientações oferecidas, escolha uma que você considere mais fácil para começar a aplicar no seu cotidiano”. A partir da resposta da pessoa, orientava-se a implementação das mudanças em pequenos passos, acrescentando uma de cada vez até a estabilização das novas rotinas.
     O segundo encontro dava seguimento à conversa inicial e eram feitos os ajustes necessários a partir do feedback da pessoa. O foco se mantinha no que precisava ser reorganizado para continuar a reduzir o estresse, exercer a autorregulação emocional e manejar a crise de modo satisfatório.
     O protocolo da Prática Formativa poderia ser utilizado no segundo ou terceiro encontros, com o intuito de desenvolver a autoinfluência voluntária para alterar estados emocionais e comportamentos.  A aplicação da Prática Formativa se deu por meio de exercícios que possibilitaram a redução do estresse e a modulação da intensidade emocional.
     O trabalho foi feito através de gestos manuais com a seguinte consigna: “Vamos fazer um exercício usando as mãos e observar como você pode influenciar o seu estado emocional.” Após a prática, conversava-se sobre o efeito obtido e sobre a capacidade de repetir o exercício no cotidiano para estabilizar o que foi aprendido e formar uma nova memória.
     Caso necessário, era agendado o terceiro atendimento para consolidar o que foi aprendido nas etapas anteriores e fazer um fechamento.

     Atendimento de Crise em Grupo

      O Atendimento de Grupo era composto de 1 a 3 encontros com duração de 1h30min e oferecia 7 opções com os seguintes temas: Saindo do Isolamento; Equilibração Corporal; Dança Interior; Mulheres Maduras em Tempos de Pandemia; Grupo Suporte para Mulheres; dois Grupos para Pais.
     A dinâmica de trabalho de cada grupo foi planejada pelo facilitador de acordo com o tema do grupo e os objetivos gerais do Projeto. O ingresso no grupo se dava através de uma entrevista com o facilitador via chamada de vídeo ou telefone.

PERFIL DA POPULAÇÃO ATENDIDA

     Ao todo, 25 pessoas participaram do Projeto, perfazendo um total de 56 atendimentos, sendo 51 individuais e 05 em grupo. Os dados da população atendida estão apresentados abaixo.

     Foram realizados 3 atendimentos para 59% das pessoas atendidas, 2 atendimentos para 32%, e somente 1 atendimento para 9%, indicados no gráfico abaixo:

       A faixa etária das pessoas atendidas ficou entre 13 e 65 anos, sendo 12,0% até 20 anos, 48,0% entre 21 e 40 anos e 36,0% entre 41 e 65 anos. Destas, 80% eram do gênero feminino e 20% do gênero masculino.

     A maior parte dos sujeitos atendidos pelo Programa residia no estado de São Paulo (72%). Houve também atendimento para indivíduos de outros estados (16%) e do exterior (12%):

     O nível educacional dos cidadãos variou entre o Ensino Superior e o Ensino Fundamental Incompleto. Todos os atendidos tinham profissões e atividades diversas: dona de casa, estudante, artista plástica, gerente comercial, cozinheira, psicóloga, professora, cuidadora, costureira, tradutora e antropóloga. Destas pessoas, 65% estavam trabalhando e 35% não.

     Nenhuma das pessoas atendidas teve COVID-19 no período em que o Projeto funcionou, e somente uma pessoa relatou ter tido contato com alguém infectado.

COMPILAÇÃO DOS DADOS DOS ATENDIMENTOS

     Após cada atendimento, o terapeuta elaborava um relatório que contemplava os seguintes temas:

  1. Problemas apresentados: queixas, eventos desorganizadores, dificuldades emocionais e sintomas.
  2. Orientações oferecidas.
  3. Efeitos das orientações oferecidas.
  4. A aplicação da Prática Formativa e seus efeitos.
  5. Socialização durante a quarentena.
  6. Feedback geral dos atendimentos.

     A síntese dos dados compilados será apresentada a seguir, em ordem decrescente, iniciando com as respostas mais frequentes e seguindo para as menos frequentes.

       1- Problemas apresentados

  • Conflitos nos relacionamentos familiares.
  • Instabilidade emocional, principalmente aumento de ansiedade. Também foram mencionados tristeza, dores no corpo, tensão corporal, estresse, medo, insegurança, irritabilidade e desânimo.
  • Dificuldades em gerir a rotina, distúrbios de sono, sobrecarga e cansaço
    acentuados pelas atividades on-line e desinteresse por atividades realizadas
    antes da pandemia.
  • Dificuldades dos pais com a presença constante dos filhos em casa e
    problemas com a vida escolar on-line.
  • Solidão, dificuldades com o isolamento social e o confinamento prolongado.
  • Alterações importantes: mudanças no trabalho, mudança de casa, surgimento
    de doenças, perdas de pessoas conhecidas e separações conjugais.
  • Preocupações constantes sobre família, futuro, estabilidade e dificuldades
    financeira e profissional.

       2- Orientações oferecidas

  • Estruturar a nova rotina, estabelecendo limites claros para as atividades e incluir pausas entre as mesmas, visando regular o esforço e reduzir o estresse.
  • Definir horários para trabalho e descanso, dormir e acordar, planejamento e preparo de refeições com atenção à qualidade dos alimentos.
  • Criar rotinas considerando as necessidades de cada membro da casa.
  • Melhorar a comunicação na convivência doméstica através de conversas e trocas de experiências.
  • Retomar ou iniciar exercícios físicos com ou sem orientação on-line, assim como movimentar-se e fazer caminhadas em espaço aberto com segurança.
  • Diminuir o tempo de uso de internet e celular e encerrar as atividades on-line pelo menos uma hora antes de dormir.
  • Repetir os exercícios da Prática Formativa aprendidos nos atendimentos.
  • Socializar on-line com familiares e amigos com ou sem imagem.
  • Voltar a incluir na rotina a prática de hábitos satisfatórios que deixaram de ser realizados na pandemia.
  • Diminuir a exposição às notícias referentes à pandemia.
  • Estudar formas de viabilizar o trabalho remoto e melhoria da renda.
  • Solicitar ajuda dos familiares quando houver dificuldades com as atividades on-line.

        Orientações específicas para pais:

  • Acompanhar os filhos nas atividades escolares auxiliando nas dificuldades.
  • Conversar com os filhos sobre a nova rotina e incluir as necessidades das crianças no novo cotidiano.
  •  Organizar o ambiente para a realização do trabalho e estudos de forma remota.
  • Encorajar gradualmente pequenas ações das crianças em direção a sua própria autonomia e na participação nas tarefas domésticas.

      3- Efeitos das orientações oferecidas

  • Diminuição da ansiedade e da instabilidade emocional.
  • Diminuição do estresse e melhora na qualidade do sono e do humor.
  • Melhora no relacionamento familiar com redução de conflitos.
  • Aumento do contato com a realidade corporal e diminuição das dores no corpo.
  • Realização de atividades físicas.
  • Aumento da socialização, retomada de contato com familiares e amigos.
  • Rotina mais organizada e mais satisfatória.
  • Maior capacidade de resolução de problemas e encaminhamentos mais assertivos.
  • Validação do cansaço e implementação de momentos de descanso.
  • Aumento na motivação e confiança.
  • Implementação de momentos de lazer, com atividades on-line ou presenciais com segurança.

       4- A aplicação da Prática Formativa e seus efeitos

            A Prática Formativa foi aplicada a 36% das pessoas, em 41% dos
atendimentos.

     As pessoas que fizeram a Prática Formativa nos atendimentos relataram ter repetido os exercícios entre os encontros, o que evidencia uma apropriação da ferramenta aprendida. Segundo seus feedbacks, ao repetir a prática, elas aprenderam a perceber os níveis de pressão que exerciam sobre si mesmas, o modo como exerciam essa pressão muscularmente e o efeito emocional desta ação. Aprenderam também que eram capazes de diminuir a intensidade da pressão e alterar sua experiência emocional gerando mais calma e confiança. A experiência de competência na autorregulação emocional foi importante e mostrou-se satisfatória.

        5- Socialização durante a quarentena

        No protocolo do Projeto, havia uma pesquisa específica para compreender o padrão de socialização dos indivíduos fora do ambiente doméstico, de modo que o profissional conhecesse sua rede de apoio. Os dados estão a seguir:

  • 30% estavam socializando apenas com familiares, constantemente de forma
    on-line e esporadicamente presencialmente.
  • 20% estavam socializando com familiares e amigos constantemente, porém
    de forma on-line.
  • 20% estavam socializando apenas no trabalho remoto.
  • 20% relataram pouca ou nenhuma socialização.
  • 10% relataram que, independente da pandemia, socializam muito pouco fora
    do ambiente doméstico.

      6. Feedback geral dos atendimentos

      Todos disseram que os atendimentos ajudaram a criar respostas mais satisfatórias aos problemas vividos durante a pandemia, especialmente no que tange ao aprendizado da autoinfluência e na resolução de problemas. O Atendimento de Crise os ajudou a reconhecer o estresse e a ansiedade causados também pela súbita mudança no cotidiano, em especial pela imposição do isolamento social, e capacitou-os a implementar pequenas ações que alteraram significativamente a sua experiência na situação.
       As conquistas mais valiosas relatadas foram o aprendizado do gerenciamento emocional e a construção de rotinas mais adequadas ao contexto da pandemia
COVID-19. A prática de ambos gerou uma experiência de mais tranquilidade e competência para lidar com a situação.
     Outros feedbacks importantes foram o aprendizado do contato consigo, gerando um aumento no autoconhecimento, mais tolerância e calma para tomar decisões. Observou-se, ainda, uma satisfação com a praticidade das orientações recebidas que possibilitaram a reorganização da dinâmica de vida, salientando a importância de ter um espaço de conversa, acolhimento e apoio.
     Foi relatado, também, que os atendimentos foram valiosos por terem possibilitado a percepção de dificuldades pessoais para além da situação da pandemia, o que gerou motivação para mudar. Para alguns, a experiência suscitou o anseio de dar continuidade ao processo, sendo encorajados a dar seguimento ao trabalho iniciado nos encontros. Houve indicação de psicoterapia para 48% das pessoas, de psiquiatria para 8%, e de fisioterapia, grupo de mulheres e grupo de pais para 4%. Orientou se para a procura de serviços de saúde ou indicação de amigos e familiares.

Seguem abaixo algumas citações dos atendidos pelo Projeto:

– “Me senti mais calma”
– “As conversas me ajudaram a ficar mais em contato comigo e a aprender como me
pressiono e como posso diminuir a minha dureza. Aprendi, também, como posso ser
mais tolerante e calma para tomar decisões”
– “A partir da conversa, notei que minha rotina estava desestruturada e que há um
processo para reestruturá-la”
– “Me senti mais confiante e motivada a mudar”
– “Os atendimentos me ajudaram a ter esperança e a perceber que é possível
mudar”
– “Você me ajudou a perceber que posso criar pequenas mudanças para me sentir
menos vigiado e também como posso conversar com meus pais”

     Os atendimentos realizados foram majoritariamente individuais — 91% — e somente 9% em grupo. Apenas os grupos Saindo do Isolamento, Equilibração Corporal e Grupo para Pais receberam inscrições, e estas foram de apenas uma pessoa em cada grupo. Como não se configurou a formação de grupos, os atendimentos ocorreram individualmente no enquadre da proposta do grupo.

ANÁLISE

     O ser humano é dotado de respostas inatas para lidar com o perigo e com a ameaça. O “reflexo do susto” é uma delas e tem por finalidade lidar com situações de emergência ou curtos períodos de alarme (KELEMAN, 1985). Este reflexo gera mudanças na postura muscular, na relação do corpo com a linha gravitacional, na espessura das paredes corporais e no ritmo pulsatório. Uma vez finalizada a emergência, o organismo retorna à postura usual. No entanto, dependendo da duração e intensidade da situação, a reação pode perdurar e gerar uma resposta duradoura de estresse. O estresse duradouro se configura nos padrões anatômicos e estende-se para as dimensões dos hábitos pessoais e relações sociais (KELEMAN, 1985, 2007c).
     As pessoas atendidas relataram experiências de sobressalto e susto frente às incertezas e à mudança abrupta de rotina, como também um alto nível de ansiedade, seguido de medo e estresse. Keleman (1985,1992) descreve o estresse e a ansiedade como padrões de organização anatômico-emocional expressos na contração de músculos e órgãos.
     O período prolongado de exposição às ameaças e às incertezas durante a pandemia COVID-19 favoreceu a manutenção do estado de alerta e estresse. O período de distanciamento e isolamento social gerou também sentimentos intensos de solidão, mudanças significativas nos hábitos cotidianos, nas relações interpessoais e uma dificuldade de organizar rotinas funcionais face à nova situação, tanto no âmbito individual quanto familiar.
     Entende-se que as respostas de medo, ansiedade, irritabilidade, desânimo e cansaço reportadas nos atendimentos eram condizentes com a situação vigente e devem ser validadas em circunstâncias como esta (KELEMAN, 1985, 1992). Porém, a situação de estresse prolongado foi intensamente desorganizadora para alguns, o que os levou a procurar o serviço oferecido.
     O Trabalho Formativo desenvolveu a capacidade de autoinfluência voluntária e possibilitou o aprendizado de novas respostas. A reorganização de comportamentos habituais, a regulação do esforço e o estabelecimento de novos procedimentos no cotidiano foram fundamentais para promover a estabilidade emocional.  A estruturação de rotinas bem definidas dentro de limites claros e a implementação de momentos de descanso entre as atividades foram muito importantes para a diminuição do estresse e da ansiedade.
     As orientações de ordem prática envolvendo macro comportamentos foram bem recebidas e se provaram eficazes, oferecendo segurança, uma direção de futuro e gerando esperança. Os atendimentos suscitaram mudanças na relação das pessoas consigo próprias e na maneira como vivenciavam a crise na pandemia.
     A Prática Formativa aplicada em 41% dos atendimentos demonstrou ser uma ferramenta eficiente para lidar com a crise. O aprendizado da Prática usando o esforço muscular cortical voluntário (EMCV), com micromovimentos para alterar a experiência emocional e o comportamento, foi muito potente. O exercício da autoinfluência, através de pequenas mudanças na intensidade muscular, gerou uma experiência de capacidade e competência. A possibilidade de alterar a experiência emocional por meio de micromudanças musculares foi vivida como uma grata surpresa pelas pessoas.
     Durante os atendimentos, as pessoas puderam refletir sobre a vivência, seus comportamentos e conflitos familiares. A prática da reflexão unida às orientações do terapeuta ajudou-as a reorganizar a sua resposta à situação. O desenvolvimento do autoconhecimento e da capacidade de autoinfluência afetou positivamente a relação delas consigo próprias, as relações familiares e o modo como lidavam com a crise da pandemia. A capacidade de alterar o próprio estado e comportamento gerou uma experiência de empoderamento, um aumento na autoconfiança e a diminuição da ansiedade.
     Entendemos que a procura predominante por atendimento individual (91%) deveu-se a uma preferência por maior privacidade.
     Considerando o resultado positivo das intervenções em um curto período, avaliou-se que a estratégia utilizada nos atendimentos foi eficiente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

     O atendimento na Abordagem Formativa, de modo focal e de curta duração, constituiu um desafio inédito e um importante aprendizado profissional para todos os membros da equipe. O trabalho exclusivamente on-line foi um desafio novo, que exigiu a criação de novos procedimentos e cuidados específicos e gerou a aquisição de uma expertise. O formato on-line possibilitou também que o Projeto se estendesse para vários estados do Brasil e para o exterior.
     As dificuldades impostas pela pandemia também constituíram um desafio para os profissionais do Projeto, cuja equipe viveu seu próprio processo formativo na construção do modelo de trabalho. As supervisões, as reuniões da coordenação e os plantões regulares foram fundamentais para estruturar e manter claros o enquadre e os objetivos de atuação. A estrutura criada proporcionou aos profissionais uma experiência de pertencimento, estabilidade e confiança, além de promover uma consolidação dos vínculos entre os colegas.
     Um aspecto importante foi o registro de todo trabalho através da realização de relatórios dos atendimentos. O curto tempo do Projeto, somado aos desafios da pandemia e a falta de uma sistematização dos estilos de escrita no enquadre proposto, geraram atrasos na entrega dos relatórios e dificultou a compilação dos dados. Percebeu-se, assim, a necessidade de objetivar a estrutura do relatório para facilitar a sistematização dos dados em trabalhos futuros.
     A equipe avaliou o Projeto Atendimento de Crise como efetivo e bem sucedido. A experiência foi enriquecedora para o desenvolvimento profissional de todos os envolvidos e para a comunidade do Centro de Psicologia Formativa® do Brasil como um todo. Considera-se que este modelo de atendimento poderá ser utilizado em outros projetos para situações de crise, dada a sua importante contribuição social em meio a circunstâncias adversas.
     A experiência bem-sucedida gerou o desejo de dar continuidade ao trabalho e motivou a equipe a criar um novo projeto: Tecendo Formas: Clínica de Atendimento Formativo on-line.
     O Tecendo Formas oferece atendimento individual e em grupo nas modalidades de psicoterapia e práticas integrativas complementares. O Projeto tem a proposta de flexibilização de valores e se propõe a viabilizar o acesso ao Trabalho Formativo para a população em geral. O Tecendo Formas está funcionando desde 2021, de forma permanente, no Centro de Psicologia Formativa® do Brasil.
     Ambos os projetos possibilitam a realização de pesquisa e documentação clínica na Metodologia de Trabalho Formativo e a criação de modelos que poderão apoiar outros profissionais e equipes nos seus campos de atuação.

REFERÊNCIAS

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KELEMAN, S. (1985). Emotional Anatomy. Center press.

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