Compartilhando habilidades no INT: um projeto organizacional formativo

Por Henriete M. Krutman

 

Introdução:

Keleman tem qualificado as seguintes questões como fundamentais para o ser humano:

  1. Evitar a morte prematura, garantindo o vivenciar de todas as fases do seu processo formativo;
  2. Perguntar-se sistematicamente:

» como me uso?

» como organizo a minha presença no mundo?

» como alimento/amadureço os meus corpos pessoal e social?

Seria viável buscarmos uma analogia entre essas indagações formativas individuais e as questões que direcionam o mundo das organizações? Eu diria que sim!

  1. O objetivo primeiro de qualquer organização é garantir a sua sobrevivência;
  2. Para tal, as perguntas mais importantes com que a direção e os seus membros precisam lidar são:

– Como estamos alocando (=organizando) os nossos recursos?

– Como se traduz (em termos de resultados) a nossa presença no mundo?

– A administração está bem balanceada entre o foco interno e externo?

Partindo desse pressuposto, pretendo demonstrar que o princípio formativo impregna aquelas organizações cujo ideário (crenças e valores hegemônicos) privilegie a gestão participativa e inclusiva, a autonomia de ação e a responsabilidade social. Internamente, funcionam como organizações de aprendizagem e, externamente (i.e., na interface com o entorno e os clientes), posicionam-se como empresas-cidadãs.

Desenvolvimento

Segundo Keleman, o negócio da Psicologia Formativa® é ajudar a pessoa a tornar-se íntima de si mesma. Para isso, trabalha-se o auto-conhecimento e o auto-gerenciamento a partir de dois mecanismos:

[1] Texto referente à apresentação oral realizada no Fórum do Centro de Psicologia Formativa® em 26.11.99

[1] Chefe do SERH- Serviço de Apoio ao Desenvolvimento de Recursos Humanos do INT desde maio/99. Venho corporificando o processo formativo desde 1995, sob a mestria psicoterapêutica de Leila Cohn, que dirige o Centro de Psicologia Formativa® do Rio de Janeiro.

[1] Organizações, na acepção aqui adotada, são “… coletividades especializadas na produção de determinado bem ou serviço. Potenciam a força numérica e tornam-se o terreno preferencial em que ações cooperativas se dão de forma coordenada”. Srour, Robert. Poder, Cultura e Ética nas Organizações, Rio de Janeiro : Campus, 1998, p. 107

[1] Segundo Keleman, o princípio formativo aflora formas pessoalizadas a partir do processo somático-organizador (vinculado às formas herdadas).

  1. o estabelecimento de um diálogo interior, intraorganísmico, somático-subjetivo, capaz de fortalecer o nosso corpo pessoal e inibir a morte prematura. Essa crescente habilidade do organismo de relacionar-se mais intensa e profundamente consigo mesmo – e de usar-se mais eficazmente— caracteriza a adultez/maturidade;
  2. a partir dessa familiarização com os nossos padrões de organização somático-emocionais, poderemos, então, constituir uma rede de interações interpessoais que aprofunde o nosso corpo social ; ou seja, formando distinções em nossas expressões herdadas, iremos ampliar, enriquecer e sofisticar a nossa biblioteca de respostas interativas.

Nas organizações com padrões formativos, podemos distinguir algumas características equivalentes. Nelas:

  1. privilegia-se a visão autopoiética da cultura organizacional, considerando-se a cognição como um ato criativo de construção da realidade;
  2. promove-se o aprendizado contínuo, de forma a alicerçar um processo de auto-renovação e ampliar a complexidade organizacional em todos os níveis;
  3. legitima-se a discrepância, estimula-se a autonomia, a criatividade e a emergência de novos processos e padrões de ação auto-organizantes (i.e., aqueles que contemplam não só a redundância/repetição quanto a variedade/diversidade, permitindo, assim, maiores possibilidades de resposta aos estímulos inesperados do ambiente e de energias catalisadoras da criatividade) ;
  4. reconhece-se o surgimento de alianças interpessoais e redes informais de interação cada vez mais fortes e diferenciadas. Assim como a riqueza nas interconexões neurais (i.e., as sinapses entre axônios e dendritos) aumenta a nossa capacidade de dar respostas mais sofisticadas, nas organizações, uma intensa capilaridade das redes interpessoais aumenta a habilidade e agilidade em lidar com a mudança. Isso expande a sua capacidade de aprender e reciclar-se, de dar respostas criativas, de escalar a árvore de distinções que já possui dentro de si e, consequentemente, de sobreviver.

 

[1] O conceito de autopoiesis (do grego potein: fazer, gerar) – uma nova abordagem para a teoria dos sistemas— foi desenvolvido pelos cientistas chilenos Humberto R. Maturana e Francisco Varela; a autopoiesis traduz a capacidade dos sistemas vivos de continuamente renovarem a si próprios, mas preservando a sua individualidade/identidade, por mais que seus componentes sejam renovados. Isto se dá em função de três características básicas: autonomia, circularidade e auto-referência.

[1] Cf. conceito de Learning Organization desenvolvido por Peter Senge

[1] Na visão de Keleman, uma situação oposta – i.e., quando ocorre a inibição do aprendizado – aumenta o risco da morte prematura. Nas organizações, essa inibição se dá pela rigidez cognitiva; neste caso, problemas de natureza nova são sempre tratados pela ótica das experiências do passado. E o foco único na solução de problemas relega a definição de problemas a um segundo plano.

[1] “O potencial para que uma empresa se torne auto-organizante reside em suas redes informais de interação entre as pessoas (pois as redes formais são geradoras de ordem, necessárias à continuidade daquilo que já é feito). A emergência do novo é, assim, um atributo do sistema como um todo, e é produto não dos indivíduos mas das interações entre eles. São as redes informais que surgem a partir dessas interações que irão propiciar os circuitos de feedback positivo que possibilitam o aprendizado que, por sua vez, leva à emergência do novo. Tais redes informais são, geralmente, criadas ao acaso, dependendo de encontros fortuitos ou da proximidade social. Quanto mais rica e mais aleatória for a conectividade nessas redes, maior variedade de comportamento terá a organização, (…) podendo levar a significativas melhorias para a qualidade do seu processo.

Em suma, a organização formativa estimula a compatibilização das metas institucionais com os objetivos e interesses pessoais. Consegue alimentar o seu corpo social, mantendo-se viva e saudável no mercado. Ao mesmo tempo, não se restringe à simplificação impessoal inerte da organização formal, abrindo leques de oportunidades para o desabrochar do potencial de complexidade pessoal dos seus membros (ou seja, do seu corpo pessoal).

COMPARTILHANDO HABILIDADES NO INT: UM EXEMPLO DE PROJETO ORGANIZACIONAL FORMATIVO

“Meu sonho é que homens e mulheres no mundo todo tenham uma oportunidade a cada dia, nem que seja por uma hora apenas, para aprender, se atualizar e progredir. Meu sonho é ver milhões de pessoas em todas as partes se encontrando, conversando e tomando iniciativas.”

Federico Mayor (diretor geral da UNESCO)

No âmbito da nova política de gestão implantada na década de 90 no Instituto Nacional de Tecnologia, a modelagem do COMPARTILHANDO HABILIDADES surgiu paulatinamente, fruto de um abrangente processo de reflexão estratégica que envolveu dirigentes e servidores interessados em aliar o desenvolvimento de habilidades à ampliação das oportunidades de convívio social no próprio Instituto.

Nesse contexto, o projeto floresceu como parte integrante do Programa QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO. A sua implementação significou a introdução de mudanças qualitativas no mosaico sócio-cultural da organização, principalmente em relação ao estímulo à ética da colaboração, à criatividade e ao desenvolvimento do espírito de equipe e de ajuda mútua e à experimentação de uma nova arquitetura de interações supra-hierárquicas.

COMO FUNCIONA O PROJETO

O COMPARTILHANDO HABILIDADES funciona desde o início de 1997, sob as seguintes condições de contorno:

  • todas as atividades ocorrem nas instalações do INT, no horário das 8h às 9h30min. ou após as 18h.;
  • não há qualquer tipo de remuneração ou benefício específico para os instrutores, nem taxas ou pagamentos de qualquer espécie devidos pelos participantes
  • cada servidor, bolsista ou colaborador pode participar de até 3h semanais de atividades (ou 5h, no caso dos alunos da Educação Básica);
  • essas horas de atividade são computadas na carga horária de trabalho;
  • as atividades ofertadas passam pela avaliação prévia e o acompanhamento dos gestores do Projeto.

As atividades se desenvolvem em:

decisório. Bauer, Ruben. Gestão da Mudança: Caos e Complexidade nas Organizações. São Paulo : Atlas, 1999, p. 180

O INT é um órgão da administração direta federal, vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Fundado há 78 anos, a sua própria longevidade é uma inegável prova de vitalidade organizacional. Neste interstício, o Instituto se defrontou com – e superou— inúmeras crises, que moldaram uma cultura organizacional cada vez mais antenada e modulável à realidade circunjacente.

» Um “Teleposto” com “telessala” equipada para a Educação Básica;

» Um local no térreo,ao ar livre mas coberto,com 220 m2;

» Um salão (fechado) com cerca de 60 m2;

» Duas salas auxiliares, equipadas com TV e vídeo.

Nestes (quase) três anos de funcionamento, já foram ofertadas as seguintes atividades: croché, bordado em ponto de cruz, tapeçaria, teatro, escultura/colagem, feng-shui, tai-chi, ikebana, inglês, origami, shiatsu, meditação, dança de salão, dança baiana, capoeira, violão e curso básico de instalações elétricas.

A partir de meados de 1998, o projeto estendeu-se à formação básica, obedecendo às mesmas regras. Assim, os instrutores fazem parte da força de trabalho do INT, não recebendo remuneração extra e as aulas ocorrem durante o expediente, sendo computadas na carga horária de trabalho.

No momento (novembro/99), o projeto beneficia 110 participantes, ou seja, cerca de 35% do corpo funcional do Instituto.

Já foram realizadas duas avaliações do projeto. Elas apontam como pontos fortes: integração, motivação, melhoria no clima organizacional e aquisição de novos conhecimentos. É gratificante frisar que praticamente todos os participantes informam ter as suas expectativas plenamente correspondidas.

EXPLICITANDO O PRINCÍPIO FORMATIVO NO COMPARTILHANDO HABILIDADES

“Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo, tudo, tudo…” Raul Seixas

o propiciar um espaço institucional para que diretores, chefes, servidores de todos o níveis e áreas, bolsistas e empregados de serviços terceirizados compartilhem habilidades entre si, o INT abre amplas oportunidades de estabelecimento de interações tão ricas quanto inusitadas entre pessoas que, no âmbito das relações convencionais de trabalho, não trocariam mais do que palavras formais.

É importante enfatizar que as relações informais estabelecidas através do Compartilhando Habilidades diferem muito das panelas, patotas ou cliques que constituem os grupos informais nas organizações. Estes últimos surgem, usualmente, a partir de um discurso comum proveniente de afinidades hierárquicas, profissionais, corporativas, religiosas etc.

Já no Compartilhando Habilidades, quando o vigilante interage, na condição de instrutor de chefes e pós-graduados, ou quando a diretora do INT participa de ensaios teatrais em pé de igualdade com pessoas do “chão de fábrica”, todos eles dirigidos por uma secretária, na verdade o que está-se ensaiando não são apenas os passos de capoeira ou a peça de teatro; essas pessoas estão, sobretudo, aprendendo novos padrões de interação que ampliam a sua visão de mundo e a sua tolerância ao lidar com o diferente. Enfim, cada qual está enriquecendo o seu processo formativo com um ampliado repertório de respostas pessoais multicamadadas.

A organização formal é diretamente afetada por essas transações. Com efeito, ao mexer com as referências simbólicas da estrutura formal –que moldam as ações de seus membros segundo um determinado figurino—, o COMPARTILHANDO provoca um ruído (feedback do tipo positivo) que enseja a sua reorganização em patamares mais elevados de complexidade e diversidade.

Podemos, então, inferir que o Projeto atinge os seguintes objetivos formativos:

  1. Estimular a ética da solidariedade e da colaboração no mosaico cultural da instituição – em contraposição ao comportamento competitivo-individualista – multiplicando as oportunidades para o exercício do trabalho voluntário e solidário.
  2. Buscar a convergência entre interesses individuais e objetivos institucionais;
  3. Propiciar a diversidade na integração interpessoal, através do convívio em configurações outras que não os redundantes recortes hierárquicos, funcionais ou sócio-intelectuais;
  4. Viabilizar uma crescente capilaridade nas redes informais de interação no INT, propiciando o aprendizado, o estímulo à criatividade e a emergência do novo;
  5. Incrementar a competência no relacionamento interpessoal e a capacidade para agir sinergicamente, direcionando esforços e ajuda em prol de terceiros;
  6. Ensejar uma melhor qualidade de vida no (e através do) ambiente de trabalho, amenizando o stress e apoiando os projetos institucionais de Combate à Dependência Química e de melhoria contínua no clima organizacional;
  7. Apoiar o esforço do INT para caracterizar-se também como uma Organização de Aprendizagem, estimulando o aprendizado em todos os níveis e contribuindo para o desenvolvimento intelectual, emocional, físico, criativo, lúdico, de auto-consciência, da saúde e do bem-estar da sua força de trabalho;

Apoiar o esforço do INT para tornar-se uma empresa-cidadã modelar.

Texto referente à apresentação oral realizada no Fórum do Centro de Psicologia Formativa® em 26.11.99

Chefe do SERH- Serviço de Apoio ao Desenvolvimento de Recursos Humanos do INT desde maio/99. Venho corporificando o processo formativo desde 1995, sob a mestria psicoterapêutica de Leila Cohn, que dirige o Centro de Psicologia Formativa® do Rio de Janeiro.

Organizações, na acepção aqui adotada, são “… coletividades especializadas na produção de determinado bem ou serviço. Potenciam a força numérica e tornam-se o terreno preferencial em que ações cooperativas se dão de forma coordenada”. Srour, Robert. Poder, Cultura e Ética nas Organizações, Rio de Janeiro : Campus, 1998, p. 107

Segundo Keleman, o princípio formativo aflora formas pessoalizadas a partir do processo somático-organizador (vinculado às formas herdadas).

O conceito de autopoiesis (do grego potein: fazer, gerar) – uma nova abordagem para a teoria dos sistemas— foi desenvolvido pelos cientistas chilenos Humberto R. Maturana e Francisco Varela; a autopoiesis traduz a capacidade dos sistemas vivos de continuamente renovarem a si próprios, mas preservando a sua individualidade/identidade, por mais que seus componentes sejam renovados. Isto se dá em função de três características básicas: autonomia, circularidade e auto-referência.

Cf. conceito de Learning Organization desenvolvido por Peter Senge

Na visão de Keleman, uma situação oposta – i.e., quando ocorre a inibição do aprendizado – aumenta o risco da morte prematura. Nas organizações, essa inibição se dá pela rigidez cognitiva; neste caso, problemas de natureza nova são sempre tratados pela ótica das experiências do passado. E o foco único na solução de problemas relega a definição de problemas a um segundo plano.

“O potencial para que uma empresa se torne auto-organizante reside em suas redes informais de interação entre as pessoas (pois as redes formais são geradoras de ordem, necessárias à continuidade daquilo que já é feito). A emergência do novo é, assim, um atributo do sistema como um todo, e é produto não dos indivíduos mas das interações entre eles. São as redes informais que surgem a partir dessas interações que irão propiciar os circuitos de feedback positivo que possibilitam o aprendizado que, por sua vez, leva à emergência do novo. Tais redes informais são, geralmente, criadas ao acaso, dependendo de encontros fortuitos ou da proximidade social. Quanto mais rica e mais aleatória for a conectividade nessas redes, maior variedade de comportamento terá a organização, (…) podendo levar a significativas melhorias para a qualidade do seu processo decisório. Bauer, Ruben. Gestão da Mudança: Caos e Complexidade nas Organizações. São Paulo : Atlas, 1999, p. 180

O INT é um órgão da administração direta federal, vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Fundado há 78 anos, a sua própria longevidade é uma inegável prova de vitalidade organizacional. Neste interstício, o Instituto se defrontou com – e superou— inúmeras crises, que moldaram uma cultura organizacional cada vez mais antenada e modulável à realidade circunjacente.

Estou aqui utilizando o conceito de order from noise de W. R. Ashby e de sistema auto-organizante, de H. Atlan. A auto-organização é o processo pelo qual sucessivas desorganizações ou perturbações aleatórias (ruído) são transformadas positivamente em insumo/estímulo para reorganizações em níveis mais elevados de complexidade e eficácia, nos quais a redundância vai cedendo lugar à variedade e à diferenciação. Os padrões modificados passam a ser aplicados no reconhecimento de novos estímulos, e assim sucessivamente, num processo permanente e recorrente de construção de order from noise. Cf. Bauer, Gestão da Mudança: Caos e Complexidade nas Organizações. São Paulo : Atlas, 1999, cap. 8, pp. 81-91.

Hoje, o INT capacita pessoas desde a formação básica até a pós-graduação, da alfabetização ao 2o grau, do ensino técnico profissionalizante até a pós-graduação empresarial, passando pelas atividades corporais, lúdicas e criativas do Compartilhando Habilidades.